QUASE todos os santuários religiosos divididos entre si, na esfera dogmática, isolam-se indevidamente, disputando privilégios e primazias.
E até mesmo nos círculos da actividade cristã, o espírito de exclusivismo tem dominado grupos de escol, desde os primeiros séculos de sua constituição.
Em nome do Cristo, muitas vezes a tirania política e o despotismo intelectual organizaram guerras, atearam fogueiras, incentivaram a perseguição e entronizaram a morte.
Pretendendo representar o Mestre, que não possuía uma pedra onde repousar a cabeça dolorida, o Imperador Focas estabelece o Papado em 607, exaltando a vaidade romana.
Supondo agir na condição de seus defensores, Godofredo de Bulhão e Tancredo de Siracusa organizam, em 1096, um exército de 500.000 homens e estimulam conflitos sangrentos, combatendo pela reivindicação de terras e relíquias que recordam a divina passagem de Jesus pela Terra.
Acreditando preservar-lhe os princípios salvadores, Gregório IX, em 1231, consolida o Tribunal da Inquisição, adensando a sombra e fortalecendo criminosas flagelações, no campo da fé religiosa.
Tomás de Torquemada, em Hespanha, manda para a fogueira mais de 10.200 almas.
Convictos de lhe garantir a Doutrina, os sacerdotes punem com o suplício e com a morte valorosos pioneiros do progresso planetário, quais sejam Giordano Bruno e João Huss.
Semelhantes violências, todavia, não passam de manifestações do espírito belicoso que preside às inquietudes humanas.
Cristo nunca endossou o dogmatismo e a intransigência por normas de acção.
Afirma não ter nascido para destruir a Lei Antiga, mas para lhe dar fiel cumprimento.
Não hostiliza senão a perversidade deliberada.
Não guerreia.
Não condena.
Não critica.
Combate o mal, socorrendo-lhe as vítimas.
Dá-se a todos.
Ensina com paciência e bondade o caminho real da redenção.
Começa o ministério da palavra, conversando com os doutores do Templo, e termina o apostolado, palestrando com os ladrões.
A ninguém desdenha e os transviados infelizes merecem-lhe mais calorosa atenção.
Prepara o espírito dos pescadores para os grandes cometimentos do Evangelho, com admirável confiança e profunda bondade, sem lhes exigir qualquer atestado de pureza racial.
Auxilia mulheres desventuradas, com serenidade e desassombro, em contraposição com os preconceitos do tempo, trazendo-as, de novo, à dignidade feminina.
Não busca títulos e, sim, inclina-se, atencioso, para os corações.
Nicodemos, o mestre de Israel, e Bartimeu, o cego desprezado, recebem d’Ele a mesma expressão afectiva.
A intolerância jamais compareceu ao lado de Jesus, na propagação da Boa Nova.
O isolacionismo orgulhoso, na esfera cristã, é simples criação humana, fadado naturalmente a desaparecer, porque, na realidade, nenhuma doutrina, quanto o Cristianismo, trouxe, até agora, ao mundo atormentado e dividido os elos de amor e luz da verdadeira solidariedade.
In Roteiro (Francisco Cândido Xavier/Emmanuel)
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